10.7.08

Sobre os diários de Che



Correu pela imprensa a notícia de que diários da campanha de Che na Bolívia foram divulgados e que serão em breve publicados por uma editora local. Rumora-se que Fidel Castro vá fazer um prólogo. Tudo balela. Não há página do diário de Che que não seja de conhecimento público. E Castro já escreveu seu prólogo 40 anos atrás.

Logo depois da execução de Che, em outubro de 1967, todos os pertences sem importância foram divididos entre os soldados bolivianos. Um gordinho em Santa Cruz de la Sierra chegou a me oferecer uma agulha de costurar couro que, diz ele, teria sido de Che. Os que valiam alguma coisa, claro, ficaram nas mãos do governo.

No começo de 1968, Fidel Castro escreveu o prólogo daquela que seria a primeira edição dos diários de Che. Foi um estouro de vendas. Ainda hoje é possível encontrar a edição original em sebos cubanos, talvez um dos livros mais populares na ilha junto com a Bíblia, Diário de um Mago e Fidel e a religião. Inicialmente, o governo boliviano disse que se tratava de uma fraude, o que logo foi desmentido por diversos jornalistas que tiveram acesso às cópias fotostáticas de algumas páginas fornecidas por Havana e La Paz. Ensandecidos – já haviam acertado um acordo milionário com uma editora americana para publicar o livro – os bolivianos se perguntavam quem havia dados os originais a Castro.

Um deles próprios: Antonio Arguedas, ministro do Interior. Cansado de ver a ingerência da CIA nos corredores palacianos, decidiu se bandear para o lado dos cubanos. Ao que consta, fez as cópias microfilmadas chegarem a Havana escondidas na capa de um LP de Mel Tormé. Meses depois, incumbiu dois amigos de levarem um pote de formol com as mãos de Che para a ilha. Coisa de Graham Greene.

Arruinado o acordo – na época o interesse sobre o conteúdo dos escritos não incluía o fetichismo de ver com que garrancho Che os escreveu – os diários foram para o Ministério da Defesa para juntar poeira. Nos anos 80, sumiram, quase foram a leilão na Sotheby's, mas o governo conseguiu impedir a venda. Desde então, um sem número de historiadores e biógrafos puderam folhear os diários. Chega a ser engraçado que o envelope que os continha tenha um "SECRETOS DE ESTADO" escrito de fora a fora. Há pelo menos dez anos, o boliviano Carlos Soria Galvarro edita anualmente uma coleção de seis fascículos em que não só exibe diversas páginas manuscritas como as contextualiza, citando diários de companheiros de guerrilha, do Exército e outros. Todos os anos, em outubro, sai junto com o jornal La Razón.

Resumo: ainda que a editora boliviana queira fazer você acreditar que está comprando algo novo, não seja bobo. O bom e velho (e melancólico) diário de Che na Bolívia já está à venda nas melhores casas do ramo. Você também pode folheá-lo online, ainda que a viúva, Aleida March, tenha tentado retirar do ar as versões digitais graças a um bom acordo com uma editora australiana.

4.7.08

O Valor sobre (e o valor de) Personal Che

Não cabe negar que se faz cinema, também, para tratar bem do próprio ego. É por isso que uma crítica como a de Amir Labaki, diretor do É tudo verdade, publicada hoje no jornal Valor, economiza algumas sessões de análise:

"Não se trata de outro documentário biográfico sobre Guevara, mas sim de uma anatomia de seu mito póstumo, numa operação de desmontagem de mitologias contemporâneas. (...) Personal Che se destaca entre as estréias recentes de documentaristas brasileiros e sul-americanos por sua rara ousadia de transcender as fronteiras nacionais. O paroquialismo é um dos grandes grilhões da nossa não-ficção, sob a justificativa, não de todo enganosa, dos evidentes limites orçamentários à produção documental. Eis aqui uma prova de que, na era digital, é possível ousar mais."
Sobre esse último ponto: nosso acordo com os produtores não permite revelar o valor de produção do filme, algo que não me incomodaria em absoluto. Apelando para o inuendo: Personal Che foi filmado em quatro continentes, blablabla, e custou menos de dois DocTVs.

Não somos os únicos a filmar assim, claro. O português Pedro Costa reza na mesma cartilha, o japonês Masahiro Kobayashi também e, em território nacional, há o projeto valente da Pax Filmes de fazer quatro longas por R$ 80 mil. Não há nada a unificar as propostas estéticas além do "vamos fazer". Basta custar pouco? Não. O primeiro pax-filme foi selecionado para Gramado, se isso diz alguma coisa.

Glória ao cinema barato!

2.7.08

Zum! Paf! Bou! Zililit!

Quem conhece o programa Recorte Cultural, sabe que é uma judiação sacar uma pequena parte do todo e estragar a edição enlouquecida e divertidíssima que o programa liquidifica todo santo dia na TV Brasil (a isso se refere o título do post). Personal Che teve direito a suas duas moléculas de fama, mas mesmo assim decidi deixar algo do que veio a seguir: um pouco de Moacir Luz e um rabinho de um filme que... acabo de me esquecer como se chama. Amanhã completo o post com informações e, se possível, melhoro a qualidade (sofrível) do vídeo.


Recorte from Douglas Duarte on Vimeo.

Melamedia

O programa Recorte Cultural, conduzido por Michel Melamed na TV Brasil, apresenta hoje uma reportagem de tamanho ignorado sobre Personal Che. Mais tarde, conseguindo o vídeo, posto aqui.

Saludos!

En Mexico



Personal Che acaba de ser selecionado para a competição latino-americana do DocsDF, o principal festival de documentários do México. A mostra está em sua terceira edição e nas duas anteriores exibiu mais de 350 filmes de todo o mundo.

Outros dois filmes brasileiros serão exibidos: O último kuarup branco, de Bhig Villas-Boas, e Dreznica, de Anna Azevedo. Não vi o primeiro, mas vem com a chancela do É tudo verdade. O de Anna estreou em Berlim, passou no HotDocs... que mais dizer além de que gostei muito e de que você deve ver o trailer abaixo?



Saludos, congratulaciones a todos y ¡hasta Mexico!

Cinética

"Previsível, mas nunca desinteressante (...) compõe um painel rico (...) há abuso de poder".

Júlio Bezerra, um dos jovens turcos da crítica brasileira, analisa Personal Che.

Já era hora. :-)